domingo, 15 de dezembro de 2024

não aprendi nenhuma palavra nova

que não venha numa receita médica 

não conheço nada que não se tome

de oito em oito, de doze em doze horas

antes ou depois das refeições.

é preciso forrar o estômago de mágoas 

lamber as feridas, alimentar os vícios 

é preciso sobreviver até ao avesso do osso

é preciso estar cá para contar a história 

é preciso ter história como é preciso ter estômago 

e é preciso saber parar e saber andar

e, afinal, respirar é uma ciência

e fica tudo por dizer.

sábado, 14 de dezembro de 2024

não resta nada para lá da brutalidade do amor

o encontro dos corpos que se esquecem

eu e tu num nó amorfo, entrelaçados no compasso dos dias iguais

a tragédia com que nos desconhecemos

e a tua mão, e o teu rosto, num fuso horário distante


já sei o teu nome

já só sei o teu nome

os outros traços, que escrevemos com lábios, com lascívia e sem sacrifício estão pendurados na acidez dos dias

já não sei o meu nome

a voz que me aguarda

num túnel sem luz





quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Tu sabes que eu não vou dormir

que me escondo e que ouso

não saber ser eu sem saber mentir


tu sabes que eu não sei sentir

que eu não trago nos meus olhos

a incerteza de me permitir


eu nasci de mim

e todas as doenças 

e todos silêncios 

são placenta

são dormência 

são amor

são fim. 








há dias, meu amor, que são nuvens de aço

a atravessar a verdade


eu a sentir que o meu lugar

é muito longe das tuas mãos 

que o meu coração dá onze horas

no teu relógio. 


são dias, meu amor, em que nenhuma tristeza nos salva


antes, os teus lábios eram flores

ainda ontem os teus lábios eram flores

e hoje recomeçamos

a estilhaçar o que nos sobrou para dar.



sábado, 22 de outubro de 2022

cicuta

afinal é assim que começam todos os desastres.

uma luz que se acende em toda a extensão do dorso

e as mãos infinitas na interrupção dos espaços 

sabes das saliências dos músculos, da obliquidade dos astros

e os teus olhos, francamente abertos 

e a tua pele, que me veste e sara

faz-me esquecer o meu nome e as minhas falhas. 





terça-feira, 15 de março de 2022

o silêncio é manso

e reviras os olhos ao quotidiano

a vida não tem qualquer musicalidade

entende

a vida não está escondida atrás da porta

não vai abraçar-te em êxtase quando chegas a casa


fuma um cigarro

lê as notícias da guerra, preenche o irs,

lê os poemas antigos

em voz alta, com vergonha


como são cíclicos os desejos...

tudo o que conheci está morto

e já não falamos na terceira pessoa


o algoritmo da felicidade

é afinal encontrar uma sombra



e desistir.






domingo, 8 de agosto de 2021

 dizer-te amor


dizer-te, amor, o teu corpo desenha nuvens nas paredes do quarto

e parece que o mundo se abriu à melancolia

vamos fingir, amor, que as minhas pernas 

são um acidente de avião

e as tuas mãos, amor, um protocolo de segurança


dizer-te amor, o silêncio rompeu-me as veias

mas as palavras, amor, amor, engoliram-me o coração 





não aprendi nenhuma palavra nova que não venha numa receita médica  não conheço nada que não se tome de oito em oito, de doze em doze horas ...