terça-feira, 24 de setembro de 2019

snomed

põe a mesa
põe a mão na mesa
e a mesa
põe a doença
na mesa
a doença das mãos
a mesa
a doença
o ciúme na mesa
põe tudo na mesa
joga o trunfo
ou põe os braços
como o arco do triunfo
põe os lábios na mesa
coça o cotovelo
não esmoreças
sorri
põe a mesa
dobra os guardanapos
como se fossem os patos
da infância
não sejas infame
não traduzas os silêncios
põe a mesa
as palavras não querem dizer nada
e estar a chover
significa só que tens que trazer
o estendal para dentro
e que não há qualquer poesia
nos nossos dias

o amor tem sempre convidados para o jantar.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

repara como o mundo nos vai ensaiando para a última dança
a inclinação perfeita da retina sobre a curva dos lábios

quero acreditar que é para sempre, digo-te

que os teus pés, que os meus pés percorrão em círculo os dias
ainda que a música cesse

quero acreditar que não te morrerei, que não me morrerás

que a saliva será sempre este fruto por morder
que a tua mão, que as nossas mãos vão segurar
todas as horas.



segunda-feira, 29 de julho de 2019

diz-me

o teu corpo é um pássaro pousado no meu joelho
o teu corpo é a interminável alegria de uma manhã que nos cega

chega, abre a porta, diz-me

o balançar das folhas, a brisa da segunda-feira de manhã
a incerteza do sol e o teu corpo como a eterna consequência
do amor

ou estende a mão

acende-me um cigarro, pousa a tua cabeça nas minhas coxas
e deixa-me ser mais um dia.



primeiro beijo

lembro-me desse dia como se fosse o único

o teu sorriso mais largo, o teu suspiro mais fundo
e as mãos junto ao peito para não deixar sair o coração


terça-feira, 9 de julho de 2019

que talvez seja já demasiado tarde para construir uma nova cidade
com olhos doces de homens que não foram à guerra
e as mãos largas das mães a segurar trovoadas de verão

talvez seja já demasiado tarde para se inventar tudo outra vez
uma linha que atravessa a boca, lábio a lábio e silaba a silaba
para que as palavras saiam devagar e sem mágoa

talvez tenha passado a hora de ver nascer uma ponte
entre a tua ausência e a minha vontade

já não nascem os rios, meu amor


terça-feira, 2 de julho de 2019

não foi no meu corpo que nasceu o teu sorriso

não foi no teu corpo que ensaiei a vida e me desfiz contra mil paredes brancas

que chorei estradas estreitas, becos e paralelos

que provei a nitidez dos frutos ou que previ o fim do mundo

não foi no meu corpo que cruzaste a obliquidade das feridas

ou mesmo que encontraste as arestas da vida

mas estás aqui
mas estou aqui

e aqui é o princípio de tudo.



não aprendi nenhuma palavra nova que não venha numa receita médica  não conheço nada que não se tome de oito em oito, de doze em doze horas ...